Do Mérito

       O mercado nacional de cerveja é dominado por praticamente três grandes empresas, que fizeram uso da fusão empresarial para se consolidarem no mercado como corporações praticamente imbatíveis. Porém, se por um lado as grandes indústrias dão prioridade ao volume produzido e seus lucros, ainda existem as chamadas cervejarias artesanais, que primam pelo sabor e a qualidade da bebida.

        O diretor do Sindicato das Indústrias de Cervejas e Bebidas de Minas Gerais (Sindbebidas/MG), Marco Antônio Falcone, denuncia que o Governo Federal não oferece nenhum tipo de incentivo para essas pequenas indústrias, pelo contrário, tributa ainda mais o produto final, pois o seu custo é mais elevado, pela qualidade e pelos meios de produção menos sistematizados.

        Apesar de toda essa falta de incentivo, as cervejas artesanais apresentam bons resultados no quesito geração de empregos, segundo Falcone. As cervejarias artesanais empregam bem mais mão de obra por litro produzido do que as grandes cervejarias.

       Segundo dados do Instituto Lafis, o Brasil é o quarto maior produtor de cerveja do mundo, com produção anual de 9,02 milhões de litros. Os três maiores produtores são: China (30,61), Estados Unidos (23,02) e Alemanha (10,54).

       De acordo com dados do SindiCerv, de 2007, o mercado nacional de cerveja é dominado por três grandes marcas: Ambev (68%), Schincariol (13%) e Kaiser/Molson (9%). As outras marcas totalizam 10% do setor. A indústria da cerveja no Brasil consolidou-se a partir da década de 30, quando Brahma e Antártica começaram a se destacar.

        Com visão futurista, as empresas desde aquela época praticavam o que hoje é comum no mercado: a aquisição de pequenas cervejarias para consolidação de um “império”. Assim, a Brahma, pouco a pouco, incorporou a seu grupo a Skol e a Caracu. A Antártica também seguiu os passos da até então rival, adquirindo a tradicionalíssima Bohemia.

       A união das duas corporações, em 1999, resultou na criação da 5ª maior cervejaria do mundo, com domínio absoluto no mercado cervejeiro nacional. Ultrapassando as fronteiras, em 2004, foi anunciada a fusão entre a brasileira Ambev e a belga Interbrew, criando a INBEV, atualmente a maior cervejaria do mundo, responsável por 14% da produção mundial.

       A empresa possui mais de 200 marcas em seu portfólio, está presente em 32 países e emprega aproximadamente 85 mil pessoas. Somente em 2004, ano da fusão, foi produzido um total de 202 milhões de hectolitros de cerveja e 31,5 milhões de hectolitros de refrigerante.

        Pelos dados produtivos apresentados pelas empresas que praticamente monopolizam o mercado cervejeiro, pode-se chegar à errônea conclusão de que as pequenas cervejarias são obsoletas. Estudos porém afirmam, que são nichos diferentes, portanto não há disputa. São dois mercados, as grandes cervejarias, que priorizam o volume e apresentam produtos similares, basicamente a cerveja pilsen, e as pequenas cervejarias, que trabalham com um setor especial, propriamente voltada para a gastronomia.

        O consumo da cerveja artesanal tem crescido cerca de 20% (vinte por cento) ao ano. Poderia estar acontecendo, se houvesse apoio, uma explosão desse mercado, com a criação de mais microcervejarias, que só não saem do papel devido à carga tributária altíssima em um mercado com a possibilidade de franca expansão.

        A empregabilidade é um fortíssimo argumento para levantarmos questão. As pequenas cervejarias geram muito mais postos de trabalho que as cervejarias de grande porte. Enquanto em uma microcervejaria é gerado um emprego para cada 50.000 l (cinquenta mil litros) produzidos por ano, nas grandes cervejarias é gerado um emprego para cada 1.000.000 l (um milhão de litros).

        Alguns olham o setor de forma equivocada, achando que conceder benefícios fiscais significa incentivar a bebida alcoólica, um produto politicamente incorreto. Mas é importante frisar que as microcervejarias não estimulam a ingestão de quantidade, e sim de qualidade, fato similar com o que ocorre com a indústria do vinho. A cerveja artesanal é, em geral, mais cara que uma cerveja comum porque seus custos de produção são diferentes, o que cria uma barreira natural ao consumo em grande quantidade.

       As microcervejarias estão gerando uma cultura cervejeira no Brasil, retomando a história que foi interrompida há algumas décadas quando os grandes grupos adquiriram as pequenas cervejarias. As microcervejarias artesanais proporcionam o incremento da indústria do entretenimento, hoteleira, gastronômica, turística, etc. Muitas cidades têm orgulho de terem uma microcervejaria hoje em dia.

        Não há como contestar que a cerveja tem acompanhando a humanidade há mais de 6.000 (seis mil) anos, tratando-se da terceira bebida mais consumida no mundo – atrás da água e do chá – mas é considerada como alimento, devido ao seu alto teor de carboidratos, sendo por isso intitulada pão líquido. Ao contrário das grandes cervejarias, as microcervejarias têm sua produção artesanal.

Da Clareza e Precisão do Projeto

       O propósito da presente Lei é a introdução de definição legal na sistematicidade jurídica vigente no Estado de Mato Grosso, conforme inciso I do § 2º. do artigo 9º. da Lei Complementar nº. 06/90. Ademais, o Projeto segue cabalmente as disposições do mesmo diploma legal, em especial o disposto no artigo 8º.

Da Possibilidade de Iniciativa

        Não se está aqui legislando sobre comércio exterior e interestadual, mas estamos tratando de normas gerais de fomento a uma determinada atividade produtiva, que o Parlamento Estadual possui competência concorrente para legislar.

         A proposição não contraria qualquer dispositivo legal ou constitucional, não encontrando qualquer óbice à sua tramitação. Mister se faz ressaltar que não há no bojo da propositura qualquer atribuição dada a nenhuma Secretaria. Não elenca qualquer das Secretarias e Estado ou órgãos da Administração. Não implica despesas para o erário, pois contém enunciado de caráter meramente genérico.

        O escopo do presente está inserido, mormente, no art. 7º., inciso XVIII, da Constituição Federal. De igual forma, o projeto não tem qualquer vício de intenção de usurpação da prerrogativa de iniciativa de processo legislativo, e, sim a concretização de um dos objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito descrito no artigo 3º da Constituição Federal Brasileira:

 

Artigo 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...) IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

                 

        Poderíamos elencar outros comandos constitucionais, como o princípio da dignidade humana, onde o valor da dignidade da pessoa humana deve ser entendido como o absoluto respeito aos seus direitos fundamentais, assegurando-se condições de dignas de existência para todos.

         Em análise superficial, o Projeto em tela confrontaria o princípio constitucional da Separação dos Poderes e ofenderia as autonomias administrativas do Poder Executivo do Estado de Mato Grosso, contrariando o disposto no art. 39 da Constituição do Estado.

        No entanto, uma visão aprofundada cobra relevo destacar que a separação de poderes é, primeiro, mecanismo de repartição de funções, de tal forma que cada um dos poderes, a seu turno, se especialize em sua matéria e, segundo, instrumento de contenção dos poderes, permitindo-se, pois, que um fiscalize o outro.

        Não é vedado, porém, que um auxilie o outro, caracterizando uma interdependência necessária, natural e salutar.

        Imperioso trazer à colação os comentários de Paulo Bonavides acerca da necessidade de uma reavaliação do princípio da separação de poderes: "Numa idade em que o povo organizado se fez o único e verdadeiro poder e o Estado contraiu na ordem social responsabilidades que o Estado liberal jamais conheceu, não há lugar para a prática de um princípio rigoroso de separação" [1].

       Consta do art. 2º da Constituição Federal de 1988 que "são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário". Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário são expressões que possuem duplo sentido, pois exprimem as funções legislativa, executiva e jurisdicional e indicam os respectivos órgãos. Em verdade, o poder é uno, sendo dividido em funções.

        Acresce-se o fato de que os poderes estão de tal forma repartidos e equilibrados entre os diferentes órgãos que nenhum pode ultrapassar os limites estabelecidos pela Constituição sem ser eficazmente detido e contido pelos outros, ou seja, num sistema de "freios e contrapesos"[2].

        O princípio da separação de poderes vale unicamente por técnica distributiva de funções, e não em termos de incomunicabilidade, antes sim de íntima cooperação, harmonia e equilíbrio, sem nenhuma linha que marque separação absoluta ou intransponível[3].

        Dessa forma, deve-se aferir o sentido do princípio da separação de poderes em relação à função legislativa, observando que o exercício da função legislativa pelo Poder Executivo é decorrência natural da evolução do Estado, sendo necessariamente compatível com a democracia e a separação dos poderes, com essa competência manifestando-se por várias formas no Estado de Direito contemporâneo.

        Ademais, resta salientar que a aparente antinomia de princípios hão de ser realizados – sua resolução –, via leitura sistemática da Constituição Federal, visando o seu conteúdo global e conteúdo jurídico, sopesando a razoabilidade e a proporcionalidade da matéria. Uma leitura hermenêutica da Carta Magna caberia apenas ao Constituinte Originário.

Os conflitos de regras são resolvidos na dimensão da validade, em que a aplicação de uma regra importa na não-aplicação da outra.

        Obviamente, esse tipo de lei é possível de sanção. Nada exclui de sanção nem de veto. Quanto à possibilidade de argüição de inconstitucionalidade por vício de iniciativa, e pelos motivos expostos, esse tipo de lei não é passível de semelhante argüição. Pelos fundamentos já enunciados, não há, em princípio, vício de iniciativa.

        Por derradeiro, o contexto em que se situa o Poder Legislativo, expressão que, na teoria da divisão de poderes, exprime duas idéias necessariamente interdependentes: (a) poder legislativo no sentido de função legislativa, como está no art. 44 da CF/88 e no art. 39 da Constituição Estadual. (b) Poder Legislativo no sentido de órgão ou órgãos que exercem a função legislativa – e é o sentido que está no art. 2º. Da CF/88 quando declara que são Poderes da União o Legislativo, o Executivo e o Judiciário (aí a independência orgânica).

        Poder Legislativo é, pois, o órgão coletivo (ou conjunto de órgãos coletivos) compostos de membros eleitos pelo povo destinado a exercer a função de legislar, sem prejuízo de outras que a doutrina costuma destacar.

        Quando se fala em funções do Poder Legislativo, está-se pensando nas funções que se atribuem aos órgãos desse Poder. Esquematicamente, podemos dizer que as funções fundamentais do Poder Legislativo são de representação, a de legislação, a de legitimação da atuação governamental e a de controle.

       Por fim, a possibilidade de iniciativa da presente matéria está esculpida no artigo 25 da Constituição Estadual e no artigo 24, V da Constituição Federal.

       Resta caracterizar que a iniciativa desta Lei, se não atendido pelo asseverado no acima elencado, está assegurada, pois o artigo 26 da Constituição do Estado determina que nas interpretações possíveis deverá haver o zelo pela preservação da competência legislativa da Assembléia Legislativa[4].

       Pelos motivos expostos Senhor Presidente, aguardo pela aprovação do presente Projeto de Lei pelo Plenário desta Casa.

[1] BONAVIDES, Paulo. Ciência política, 10ª ed. rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2001, p. 146.

[2] Adaptação do "checks and balances" do direito norte-americano.

[3] Paulo Bonavides, ob. cit., p. 147

[4] “Art. 26 É da competência exclusiva da Assembléia Legislativa: (...) IX - zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes;”