Do Mérito

        Recentes pesquisas demonstram um número crescente de indivíduos que, ao longo de sua vida, desenvolvem algum tipo de intolerância ou alergia a produtos como o glúten e a lactose. Estes, por sua vez, servem de insumo para a produção de um número enorme de produtos alimentícios que estão presentes no dia a dia de qualquer cidadão.

        A doença celíaca pode ser definida como a intolerância permanente ao glúten, geralmente manifesta na infância. O tratamento da doença consiste em uma dieta totalmente isenta de glúten. Os portadores não podem ingerir alimentos como pães, bolos, bolachas, macarrão, coxinhas, quibes, pizzas, cervejas, ou qualquer outro alimento que possua glúten em sua composição ou processo de fabricação.

        A intolerância à lactose é a incapacidade de o organismo digerir a lactose, ou o açúcar do leite. A lactase é a enzima responsável pela digestão da lactose. Se, por algum motivo deixamos de produzir esta enzima, a lactose consumida acaba fermentando no intestino grosso, produzindo gases e ácido lático.

        É de grande relevância, do ponto de vista do consumidor e da proteção à saúde, a presente proposição, na medida em que a iniciativa de colocar todos os produtos sem adição de glúten e lactose em uma mesma seção irá facilitar, agilizar e evitar a aquisição equivocada dos referidos produtos por parte dos consumidores que necessitam de uma dieta diferenciada.

Da Clareza e Precisão do Projeto

        O propósito da presente Lei é a introdução de definição legal na sistematicidade jurídica vigente no Estado de Mato Grosso, conforme inciso I do § 2º. do artigo 9º. da Lei Complementar nº. 06/90. Ademais, o Projeto segue cabalmente as disposições do mesmo diploma legal, em especial o disposto no artigo 8º.

Da Possibilidade de Iniciativa

        A proposição não contraria qualquer dispositivo legal ou constitucional, não encontrando qualquer óbice à sua tramitação, visto que pretende facilitar o acesso à informação pelo consumidor, direito garantido pela Lei nº 8.078/1990.

        Mister se faz ressaltar que não há no bojo da propositura qualquer atribuição dada a nenhuma Secretaria. Não elenca qualquer das Secretarias e Estado ou órgãos da Administração. Não implica despesas para o erário, pois contém enunciado de caráter meramente genérico.

        O escopo do presente está inserido, mormente, no art. 7º., inciso XVIII, da Constituição Federal. De igual forma, o projeto não tem qualquer vício de intenção de usurpação da prerrogativa de iniciativa de processo legislativo, e, sim a concretização de um dos objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito descrito no artigo 3º da Constituição Federal Brasileira:

 

Artigo 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...) IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

                 

        Poderíamos elencar outros comandos constitucionais, como o princípio da dignidade humana, onde o valor da dignidade da pessoa humana deve ser entendido como o absoluto respeito aos seus direitos fundamentais, assegurando-se condições de dignas de existência para todos.

        Em análise superficial, o Projeto em tela confrontaria o princípio constitucional da Separação dos Poderes e ofenderia as autonomias administrativas do Poder Executivo do Estado de Mato Grosso, contrariando o disposto no art. 39 da Constituição do Estado.

        No entanto, uma visão aprofundada cobra relevo destacar que a separação de poderes é, primeiro, mecanismo de repartição de funções, de tal forma que cada um dos poderes, a seu turno, se especialize em sua matéria e, segundo, instrumento de contenção dos poderes, permitindo-se, pois, que um fiscalize o outro.

        Não é vedado, porém, que um auxilie o outro, caracterizando uma interdependência necessária, natural e salutar.

        Imperioso trazer à colação os comentários de Paulo Bonavides acerca da necessidade de uma reavaliação do princípio da separação de poderes: "Numa idade em que o povo organizado se fez o único e verdadeiro poder e o Estado contraiu na ordem social responsabilidades que o Estado liberal jamais conheceu, não há lugar para a prática de um princípio rigoroso de separação" [1].

        Consta do art. 2º da Constituição Federal de 1988 que "são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário". Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário são expressões que possuem duplo sentido, pois exprimem as funções legislativa, executiva e jurisdicional e indicam os respectivos órgãos. Em verdade, o poder é uno, sendo dividido em funções.

        Acresce-se o fato de que os poderes estão de tal forma repartidos e equilibrados entre os diferentes órgãos que nenhum pode ultrapassar os limites estabelecidos pela Constituição sem ser eficazmente detido e contido pelos outros, ou seja, num sistema de "freios e contrapesos"[2].

        O princípio da separação de poderes vale unicamente por técnica distributiva de funções, e não em termos de incomunicabilidade, antes sim de íntima cooperação, harmonia e equilíbrio, sem nenhuma linha que marque separação absoluta ou intransponível[3].

        Dessa forma, deve-se aferir o sentido do princípio da separação de poderes em relação à função legislativa, observando que o exercício da função legislativa pelo Poder Executivo é decorrência natural da evolução do Estado, sendo necessariamente compatível com a democracia e a separação dos poderes, com essa competência manifestando-se por várias formas no Estado de Direito contemporâneo.

        Ademais, resta salientar que a aparente antinomia de princípios hão de ser realizados – sua resolução –, via leitura sistemática da Constituição Federal, visando o seu conteúdo global e conteúdo jurídico, sopesando a razoabilidade e a proporcionalidade da matéria. Uma leitura hermenêutica da Carta Magna caberia apenas ao Constituinte Originário.

Os conflitos de regras são resolvidos na dimensão da validade, em que a aplicação de uma regra importa na não-aplicação da outra.

        Obviamente, esse tipo de lei é possível de sanção. Nada exclui de sanção nem de veto. Quanto à possibilidade de argüição de inconstitucionalidade por vício de iniciativa, e pelos motivos expostos, esse tipo de lei não é passível de semelhante argüição. Pelos fundamentos já enunciados, não há, em princípio, vício de iniciativa.

        Por derradeiro, o contexto em que se situa o Poder Legislativo, expressão que, na teoria da divisão de poderes, exprime duas idéias necessariamente interdependentes: (a) poder legislativo no sentido de função legislativa, como está no art. 44 da CF/88 e no art. 39 da Constituição Estadual. (b) Poder Legislativo no sentido de órgão ou órgãos que exercem a função legislativa – e é o sentido que está no art. 2º. Da CF/88 quando declara que são Poderes da União o Legislativo, o Executivo e o Judiciário (aí a independência orgânica).

        Poder Legislativo é, pois, o órgão coletivo (ou conjunto de órgãos coletivos) compostos de membros eleitos pelo povo destinado a exercer a função de legislar, sem prejuízo de outras que a doutrina costuma destacar.

        Quando se fala em funções do Poder Legislativo, está-se pensando nas funções que se atribuem aos órgãos desse Poder. Esquematicamente, podemos dizer que as funções fundamentais do Poder Legislativo são de representação, a de legislação, a de legitimação da atuação governamental e a de controle.

        Por fim, a possibilidade de iniciativa da presente matéria está esculpida no artigo 25 da Constituição Estadual e no artigo 24, V, VIII e XII da Constituição Federal.

        Resta caracterizar que a iniciativa desta Lei, se não atendido pelo asseverado no acima elencado, está assegurada, pois o artigo 26 da Constituição do Estado determina que nas interpretações possíveis deverá haver o zelo pela preservação da competência legislativa da Assembléia Legislativa[4].

        Pelos motivos expostos Senhor Presidente, aguardo pela aprovação do presente Projeto de Lei pelo Plenário desta Casa.

[1] BONAVIDES, Paulo. Ciência política, 10ª ed. rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2001, p. 146.

[2] Adaptação do "checks and balances" do direito norte-americano.

[3] Paulo Bonavides, ob. cit., p. 147

[4] “Art. 26 É da competência exclusiva da Assembléia Legislativa: (...) IX - zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes;”