Do Mérito

A proposição visa a instituir a política estadual para o exercício da atividade profissional do cuidador de idoso, determinando sua formação mínima e suas atribuições.

A sociedade brasileira vem sofrendo uma profunda transformação na composição de sua população no que diz respeito à faixa etária. Essa modificação, que altera a realidade demográfica do País, ocorre nos dois extremos de sua composição, como constatado pelos censos realizados ao longo das últimas décadas. O número de filhos por conjunto familiar tem caído de forma expressiva no País, tanto assim que, se na década de 1950 era de 6,2, em média, já em 2005 diminuiu para 2,3.

Os dados do Censo 2010 revelam que os idosos com 60 anos ou mais formam o grupo que mais cresceu na última década. A participação da população com idade igual ou superior a 60 anos no total da população nacional passou de 14,5 milhões (ou 8% da população total), em 2000, para aproximadamente 18 milhões de pessoas (ou 12% da população total), em 2010. Estimativas indicam que em 2040 serão 55 milhões de idosos no País, o que corresponderá a 26,8% da população. Destaca-se, nesse processo, o aumento acentuado da população muito idosa, com 80 anos ou mais, que em 2000 representava 1,8 milhão de pessoas. Estimativas apontam que em 2040 serão 13 milhões de pessoas com 80 anos ou mais no País. Mato Grosso segue a tendência nacional.

O rápido aumento da população idosa no Brasil é um fenômeno que exigirá maior esforço do poder público e da sociedade para assegurar a esse segmento as condições de dignidade e bem-estar.

No Brasil estima-se que 85% dos idosos apresentam pelo menos uma doença crônica. Esse fato contribui para o aumento do número de idosos com limitações funcionais, o que exige a presença dos cuidadores profissionais.

De acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde o aumento do número de pessoas idosas com 60 anos ou mais, em todo o mundo, leva a maior demanda por serviços de atenção à saúde, decorrente do aumento na incidência de doenças crônicas não transmissíveis. Entre as doenças que mais acometem os idosos, com 60 anos ou mais, estão: acidente vascular cerebral, hipertensão arterial, doenças do coração, diabetes, doenças da coluna, acidentes domésticos, quedas, artrites, reumatismos, doenças do aparelho circulatório, depressão, neoplasias, bronquite- asmática, doenças na próstata e doenças infecto-urinárias.

Para os idosos, as perdas são tratadas principalmente como problemas de saúde, anunciadas na aparência do corpo como enrugamento, encolhimento e reflexos mais lentos. Mas há também alterações internas em todos os seus órgãos, como consequência do processo de envelhecimento.

Cabe ao cuidador de idoso atuar, quando for o caso, junto à família e ao corpo clínico para o devido tratamento. Muitas vezes, os idosos passam a necessitar de auxílio para desenvolver ações que anteriormente realizavam sozinhos. Para atender a tais necessidades, surge o profissional cuidador de idoso, que, como se deu com outras profissões, tem sido inserido no serviço sem a devida capacitação profissional.

A Classificação Brasileira de Ocupações - CBO -, do Ministério do Trabalho e Emprego, reconhece o cuidador de idosos sob o código 5162-10, estabelecendo um campo específico dessa ocupação, distinto do campo de atuação do auxiliar ou técnico de enfermagem.

O cuidador é o profissional que convive diariamente com o idoso, ajudando-o nos cuidados higiênicos, auxiliando-o na alimentação, administrando-lhe medicação e estimulando-o nas atividades reabilitadoras e interagindo com a equipe terapêutica. O cuidador pode ser uma pessoa da família ou amigo (cuidador informal) ou uma pessoa contratada para executar essas tarefas (cuidador formal), desde que preenchidos os requisitos necessários de formação.

Em âmbito nacional, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 4.702/2012, que regulamenta a profissão de cuidador de idoso. De acordo com o projeto, poderá exercer a profissão pessoa maior de 18 anos com ensino fundamental completo que tenha concluído curso de formação de cuidador de pessoa idosa. O projeto prevê que o poder público deverá incentivar a formação do cuidador de pessoa idosa por meio das redes de ensino técnico-profissionalizante e superior.

A proposta se insere nesse contexto, na medida em que visa estimular o desenvolvimento da profissão de cuidador de idosos no âmbito do Estado, profissão que será cada dia mais demandada.

Da Clareza e Precisão do Projeto

O propósito da presente Lei é a introdução de definição legal na sistematicidade jurídica vigente no Estado de Mato Grosso, conforme inciso I do § 2º. do artigo 9º. da Lei Complementar nº. 06/90. Ademais, o Projeto segue cabalmente as disposições do mesmo diploma legal, em especial o disposto no artigo 8º.

Da Possibilidade de Iniciativa

Mister se faz ressaltar que não há no bojo da propositura qualquer atribuição dada a nenhuma Secretaria. Não elenca qualquer das Secretarias e Estado ou órgãos da Administração. Não implica despesas para o erário, pois contém enunciado de caráter meramente genérico.

O escopo do presente está inserido, mormente, no art. 7º., inciso XVIII, da Constituição Federal. De igual forma, o projeto não tem qualquer vício de intenção de usurpação da prerrogativa de iniciativa de processo legislativo, e, sim a concretização de um dos objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito descrito no artigo 3º da Constituição Federal Brasileira:

Artigo 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...) IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

Poderíamos elencar outros comandos constitucionais, como o princípio da dignidade humana, onde o valor da dignidade da pessoa humana deve ser entendido como o absoluto respeito aos seus direitos fundamentais, assegurando-se condições de dignas de existência para todos.

Em análise superficial, o Projeto em tela confrontaria o princípio constitucional da Separação dos Poderes e ofenderia as autonomias administrativas do Poder Executivo do Estado de Mato Grosso, contrariando o disposto no art. 39 da Constituição do Estado.

No entanto, uma visão aprofundada cobra relevo destacar que a separação de poderes é, primeiro, mecanismo de repartição de funções, de tal forma que cada um dos poderes, a seu turno, se especialize em sua matéria e, segundo, instrumento de contenção dos poderes, permitindo-se, pois, que um fiscalize o outro.

 Não é vedado, porém, que um auxilie o outro, caracterizando uma interdependência necessária, natural e salutar.

Imperioso trazer à colação os comentários de Paulo Bonavides acerca da necessidade de uma reavaliação do princípio da separação de poderes: "Numa idade em que o povo organizado se fez o único e verdadeiro poder e o Estado contraiu na ordem social responsabilidades que o Estado liberal jamais conheceu, não há lugar para a prática de um princípio rigoroso de separação" [1].

Consta do art. 2º da Constituição Federal de 1988 que "são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário". Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário são expressões que possuem duplo sentido, pois exprimem as funções legislativa, executiva e jurisdicional e indicam os respectivos órgãos. Em verdade, o poder é uno, sendo dividido em funções.

Acresce-se o fato de que os poderes estão de tal forma repartidos e equilibrados entre os diferentes órgãos que nenhum pode ultrapassar os limites estabelecidos pela Constituição sem ser eficazmente detido e contido pelos outros, ou seja, num sistema de "freios e contrapesos"[2].

 O princípio da separação de poderes vale unicamente por técnica distributiva de funções, e não em termos de incomunicabilidade, antes sim de íntima cooperação, harmonia e equilíbrio, sem nenhuma linha que marque separação absoluta ou intransponível[3].

Dessa forma, deve-se aferir o sentido do princípio da separação de poderes em relação à função legislativa, observando que o exercício da função legislativa pelo Poder Executivo é decorrência natural da evolução do Estado, sendo necessariamente compatível com a democracia e a separação dos poderes, com essa competência manifestando-se por várias formas no Estado de Direito contemporâneo.

Ademais, resta salientar que a aparente antinomia de princípios hão de ser realizados – sua resolução –, via leitura sistemática da Constituição Federal, visando o seu conteúdo global e conteúdo jurídico, sopesando a razoabilidade e a proporcionalidade da matéria. Uma leitura hermenêutica da Carta Magna caberia apenas ao Constituinte Originário.

Os conflitos de regras são resolvidos na dimensão da validade, em que a aplicação de uma regra importa na não-aplicação da outra.

Obviamente, esse tipo de lei é possível de sanção. Nada exclui de sanção nem de veto. Quanto à possibilidade de argüição de inconstitucionalidade por vício de iniciativa, e pelos motivos expostos, esse tipo de lei não é passível de semelhante argüição. Pelos fundamentos já enunciados, não há, em princípio, vício de iniciativa.

Por derradeiro, o contexto em que se situa o Poder Legislativo, expressão que, na teoria da divisão de poderes, exprime duas idéias necessariamente interdependentes: (a) poder legislativo no sentido de função legislativa, como está no art. 44 da CF/88 e no art. 39 da Constituição Estadual. (b) Poder Legislativo no sentido de órgão ou órgãos que exercem a função legislativa – e é o sentido que está no art. 2º. Da CF/88 quando declara que são Poderes da União o Legislativo, o Executivo e o Judiciário (aí a independência orgânica).

Poder Legislativo é, pois, o órgão coletivo (ou conjunto de órgãos coletivos) compostos de membros eleitos pelo povo destinado a exercer a função de legislar, sem prejuízo de outras que a doutrina costuma destacar.

Quando se fala em funções do Poder Legislativo, está-se pensando nas funções que se atribuem aos órgãos desse Poder. Esquematicamente, podemos dizer que as funções fundamentais do Poder Legislativo são de representação, a de legislação, a de legitimação da atuação governamental e a de controle.

Por fim, a possibilidade de iniciativa da presente matéria está esculpida no artigo 25 da Constituição Estadual e nos artigos 23, II e 24, XII da Constituição Federal.

Resta caracterizar que a iniciativa desta Lei, se não atendido pelo asseverado no acima elencado, está assegurada, pois o artigo 26 da Constituição do Estado determina que nas interpretações possíveis deverá haver o zelo pela preservação da competência legislativa da Assembléia Legislativa[4].

Pelos motivos expostos Senhor Presidente, aguardo pela aprovação do presente Projeto de Lei pelo Plenário desta Casa.        

[1] BONAVIDES, Paulo. Ciência política, 10ª ed. rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2001, p. 146.

[2] Adaptação do "checks and balances" do direito norte-americano.

[3] Paulo Bonavides, ob. cit., p. 147

[4] “Art. 26 É da competência exclusiva da Assembléia Legislativa: (...) IX - zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes;”